Francisco Cristovam, presidente da NTU

A substituição dos ônibus urbanos a diesel por modelos 100% elétricos é uma ideia que tem ganhado força em várias cidades pelo país, mas cuja efetivação esbarra em um custo bilionário. Um levantamento feito pelo Poder360, a partir de dados da indústria e do setor de transportes, mostra que a eletrificação em 18 capitais custaria quase R$ 37 bilhões em um ano.

Por outro lado, segundo estimativas da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), o custo por quilômetro, na comparação entre diesel e energia elétrica, cairia 73%: de R$ 3,10 para R$ 0,84. O combustível responde por cerca de 1/3 dos custos operacionais totais das empresas de ônibus.

A escalada dos preços do diesel, que só em março teve um reajuste de 24,9% nas refinarias da Petrobras, intensificou o debate em torno da mudança das frotas que atendem as cidades. A Secretaria Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano do Ministério do Desenvolvimento Regional começou uma avaliação técnica de uma proposta feita em abril pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e por outras ONGs, da criação de um programa nacional de aluguel de ônibus elétricos.

Segundo o ministério, a eletrificação das frotas possibilita uma segurança energética, visto que o setor elétrico apresenta uma estabilidade maior em relação ao setor de petróleo. A análise técnica do programa de aluguel vai abranger a convergência com a Política Nacional de Mobilidade Urbana e as diretrizes de regulação oriundas do marco legal do transporte público, cujo debate ainda está em andamento.

Segundo Rafael Calabria, coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Idec, a economia total para a gestão local dos sistemas de transporte ficaria entre 28% e 36%, considerando-se que o aluguel seria bancado com recursos da União e já sendo computados gastos com manutenção. O especialista afirma que a pauta precisa ser abraçada não só pelo MDR, mas pelo Congresso Nacional, a quem caberá colocar nas leis orçamentárias a previsão de recursos.

“É uma mudança estrutural. É o papel federal nos transportes. Não é só fazer obras. Tem que ter uma rubrica federal de gestão de ônibus. É uma medida que muda tudo, com impacto muito forte na qualidade dos serviços. Hoje, o empresário domina tudo, pede recursos sem contrapartidas. Se a empresa parar, o prefeito fica de mãos atadas e a cidade sem ônibus”, disse Rafael.

São José dos Campos, no interior de São Paulo, está colocando em prática um modelo que vai na linha da proposta do Idec. Desde outubro, a cidade conta com 12 ônibus articulados 100% elétricos, fabricados pela BYD. Agora, a gestão municipal deu mais um passo na eletrificação. Segundo Marcello Von Schneider, diretor institucional e head da unidade de ônibus da BYD Brasil, como o contrato de concessão das linhas urbanas regulares de São José expirou e a operação está com um contrato emergencial, a prefeitura abriu uma nova licitação, na qual optou por fazer a locação dos veículos.

Von Schneider diz que a prefeitura quer que os 350 ônibus da concessão sejam elétricos. Uma empresa de transporte da prefeitura, chamada Urban, vai locar os veículos e, depois, haverá uma licitação só da operação.

“Então, o operador que entrar para operar no futuro, não vai ter que fazer o desembolso para comprar o material rodante. Ele vai entrar, vai prestar o serviço e vai ser pago pela prestação do serviço”, disse Von Schneider, acrescentando que a BYD deve participar como fornecedora à empresa locadora.

Para o executivo, a eletrificação é viável não só para cidades pequenas e médias, mas também para as capitais. Ele afirma que o modelo do sistema de transporte hoje no Brasil está falido e precisa se renovado.

“Como a gente renova? O setor público precisa criar novos modelos de licitação. E um dos novos modelos que precisa ser criado é esse modelo de locação. Ou seja, você tira o investimento do operador de ônibus, que vai buscar a concessão. Porque, hoje, o grande problema dele é ter crédito para comprar os veículos”, disse Von Schneider.

O aluguel dos ônibus é apontado por agentes do setor como melhor alternativa à compra por ter um custo imediato menor. Ainda assim, no total, é muito maior que o de um veículo tradicional, a diesel.

Outro problema no caminho da eletrificação das frotas no país é a capacidade de produção do país. A Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) não tem a capacidade instalada por tipo de veículo, mas afirma que o pico de produção de ônibus comuns no Brasil, foi em 2011, quando foram produzidas quase 50.000 unidades. O Poder360 apurou que duas das 3 fabricantes de ônibus elétricos no Brasil não produziriam nem 8% disso.

Mas, ainda que o movimento de eletrificação das frotas seja incipiente, a indústria busca acompanhá-lo. A brasileira Eletra transferiu toda a sua operação industrial para uma área quase 10 vezes maior, em São Bernardo do Campo, onde terá capacidade de produzir 150 ônibus por mês. Segundo Iêda de Oliveira, diretora da Eletra, a nova planta entrará em operação até agosto.

Segundo Iêda, que também é coordenadora do Grupo de Veículos Pesados da ABVE (Associação Brasileira de Veículo Elétrico), um ônibus elétrico custa, em média, 2,5 vezes o seu similar a diesel. No caso de articulado, duas vezes. Ela afirma que as baterias têm garantia de 80% de capacidade energética até o 8º ano de operação.

“Mas recargas de 10 a 20 minutos nos intervalos da operação dos ônibus podem alongar a vida útil das baterias, que pode chegar a 10 anos”, disse Iêda.

“NÃO PODEMOS BRINCAR DE ELETRIFICAR”, DIZ PRESIDENTE DA NTU

Francisco Cristovam, presidente-executivo da NTU, afirma que, nos últimos 12 meses, os reajustes do diesel representaram, em média, um aumento de 27% nos custos da prestação do serviço de transporte municipal. Como a conta não fecha, o impacto nas tarifas é direto e inevitável.

“Esses aumentos estão tornando insustentável o valor da tarifa necessário para cobrir os custos. Quem define a quantidade e a qualidade do serviço são as prefeituras. Não tem mágica. As empresas têm que apresentar os custos às prefeituras”, disse Francisco.

Para Francisco, há, de fato, um movimento no país para a eletrificação dos sistemas de transporte urbano, mas é preciso cautela na hora de o poder público tomar as decisões.

“Nós não temos nada contra a eletrificação. Sabemos que é uma tendência mundial. Entretanto, não podemos brincar de eletrificar sistemas de transportes. Os custos são elevadíssimos. Quer dizer: as prefeituras estão preparadas para pagar essa conta? Ou: as empresas vão investir? E se depois trocar o prefeito?”, disse Francisco.

Para o presidente da NTU, a melhor saída para a insustentabilidade na qual se encontra o transporte urbano é a criação de uma política nacional, que tenha um programa e papeis definidos para cada agente envolvido, desde o poder concedente até os operadores.

“Eu gosto da ideia de participação da União. Quando vem dinheiro de fora, é sempre bem-vindo. Agora, o importante é: de qualquer forma, tem um custo”, disse Francisco.

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